Em qualquer parte (somos todos)
Zagreb, Croácia, 12 de janeiro de 2011.
Tudo
é zunido distante
Sob
e sobre a neve de janeiro
Em
Zagreb
Elétricos
e carros
Roçam
os trilhos de ferro
E
o asfalto
Sibilantes
Silentes
Os
trens de luzes amarelas
Internas
São
estufas
A
aquecer um tanto
Os
dez abaixo de zero
Aqui
de fora
E
a transformar
Dentro
das cabines
Delgadas
Gente
trabalhadora
Em
pratos quentes
Para
o jantar
Nos
Bálcãs
Todos
somos
Pratos
quentes
Para
os próceres da nova Ordem
Não
importa se no leste
Ou
se viemos do norte
Do
Sul
Ou
oeste
Todos
somos
Pratos
quentes
Animais
de pés encharcados
Somos
Animais
de carne comestível
Armazenados
em grandes freezers
Do
mundo contemporâneo
Somos
Animais
de cascos enlameados
Somos
Animais
de pele formada por casacos
De
lã e náilon
E
assim caminhamos
Conformados
Rumo
ao abate
Somos
a manada
Na
invernada
De
pastagem morta
Coberta
de bruma
Somos
pontos
Vagos
A
vaguear
Esperando
por revólveres de ferro
A
perfurar
Nossos
crânios inconscientes
Revólveres
de ferro
Do
frigorífico multinacional
Exportador
de carnes e ossos
Multiétnicos
Somos
todos
O
mesmo
Somos
Em
todas as pastagens
Nas
quentes e nas gélidas
Somos
Nos
trópicos
E
nos subtrópicos
Somos
No
infernal calor equatorial
E
no clima temperado
Em
que nos temperam a carne
E
nos retalham em cortes exatos
Para
assados
E
cozidos
A
serem postos à venda
Em
hipermercados 24 horas
Ou
mesmo em mini-mercados ingênuos
De
bairros afastados
De
todo o possível cosmopolitismo comestível
E
todos temos
Todos
As
roupas úmidas
Os
cabelos
E
a pele
Temos
Um
infinito frio interno
Aqui
Deambulando
na stari grad
No
velho mundo que renasce
A
cada nevasca
A
cada velha
E
nova nevasca
A
cada velho
E
novo sistema
Mesmo
que todos os sistemas
Estejam
mortos
Ou
sejam o mais do mesmo
Inúteis
e cruéis ao mesmo tempo
Mas
ainda assim seguimos
Os
pés encharcados
De
barro e neve
Conformados
e álgidos
Calados
Em
direção a um caldeirão
De
caldo fervilhante
Passivos
em passos de gado
Rumo
ao abatedouro
Do
mundo contemporâneo
Por
vezes ainda buscamos
Aquecer
nossa miséria
Em
cafés cheios de gente
E
vazios
De
vozes
Sem
as vezes
Para
trocar palavras
Em
cafés
Plenos
de olhares cerrados
E
bocarras escancaradas
Feito
carrancas de embarcações
Guiadas
por Carontes
A
nos cobrar seus óbolos
Desvalorizados
no mercado internacional
Em
cafés
Em
que cada mesa
É
uma ilha
Povoada
por dois ou três
Pessoas
confiáveis
Insuspeitas
Até
que se prove o contrário
E
felizes
Somos
Todos
Se
ao menos pudermos pagar
Por
nossas bebidas quentes
Assim
como o somos
Nas
paragens mais quentes do planeta
Se
pudermos ao menos
Pagar
por nossas bebidas
Embebidas
em álcool e gelo
Para
distrair a derrota do destino
De
todo o nosso destino
De
norte a sul
Somos
a encarnação do destino triste
Brumoso
e cego
Como
agora ele se mostra
Sob
as luzes amarelas
E
baças dos postes
Dentro
de trens e coletivos
De
carros que lutam contra o vento
Que
vem do norte
Ou
do sul
Do
oeste
Ou
leste
Somos
nós também máquinas contra esse vento
Apenas
contra o vento
Mas
Uma
vez sob nossos tetos às vezes seguros
(Por
vezes ameaçados
Por
catástrofes naturais
Ou
de mercado
Mas
disso nem tomamos conta)
Estamos
todos bem
De
norte a sul
De
leste a oeste
Estamos
bem
Todos
estamos bem
Máquinas
contra o vento
E
somente contra o vento
E
assim corremos nos proteger
Em
edifícios
De
faces socialistas
Ou
em condomínios fechados
De
luxo
Nos
esquecendo
De
que os sistemas
Todos
Estão
mortos
Ou
são sempre o mais do mesmo
E
deles somos apenas os cadáveres
Aqui
Em
Zagreb
Ou
em Maputo
Em
Calcutá
Sacramento
Ou
Nagóia
Ou
mesmo sob o sol
Falsamente
feliz
Da
Praia de Humaitá