quinta-feira, 14 de abril de 2022

NO ESTÔMAGO DO SONHO

Hoje eu acordei todo machucado. Os tombos foram realmente grandes. Caí dentro do sonho. Ou o certo seria dizer: caí durante o sonho? Ou ainda: sonhei que tinha caído? Não sei. Só sei que caí (várias vezes) em algum lugar no inconsciente e acordei todo danado. Por outro lado, mesmo todo danado, agradeci por ter dormido um pouco e sonhado. Eu, que já quase não durmo mais. Eu, de quem a insônia já se apossou desde há muito. Mas não quero falar da insônia. Queria mesmo é falar de ter caído durante o sonho. (E os tombos foram surrealmente grandes). Ou falar de ter sonhado que caí e despertei todo lanhado. A bem da verdade, acho que eu já estava todo lanhado. Já fazia um tempo. Cair não é algo que acontece assim, da noite pro dia. Ou acontece? Mas fato (mesmo que eu esteja aqui tratando de um sonho) é que nesse tipo de sonho, em que a gente cai, já trazemos (isso mesmo: antes da queda) algum ferimento aberto. Então, quando a gente cai, esse ferimento se abre ainda mais. Abre-se feito uma bocarra que devora o mundo, devora o nosso mundo – e nos devora. E ao nos devorar e ao devorar o mundo, ficamos nós, lá no estômago do sonho, sendo digeridos com todas as mazelas, todas as dores, as nossas e as do mundo; sendo ainda mais machucados pelo suco gástrico. Pelo ácido do intestino. Se a gente pudesse separar o que é só nosso do que é do mundo lá fora seria ótimo. Mas o intestino do sonho mistura tudo. É um moedor de dores e de existências. Da existência consciente e também da inconsciente; da vida particular e suas dores e da vida do mundo; deste mundo em que habitamos, mas do qual só sabemos a fundo de suas dores quando estamos sendo digeridos ao mesmo tempo que ele no estômago do sonho. Quando caímos dentro do sonho. É verdade, e eu entendo, que fica tudo meio sem sentido falar de estômago do sonho, de cair e se machucar dentro do estômago, ser devorado pelo estômago – eu sei. O estômago parece um lugar macio, fofinho, para gente cair devagar (ou vagarosamente), como se caísse num lugar feito de almofadas cheias de ar; mas, mesmo assim, ao despencarmos sobre elas o impacto é violento. A queda é violenta. E não é lenta como deveria ser. É algo abrupto. Dolorido. É como pular do sétimo andar de um prédio e cair diretamente no concreto. Mas o que na verdade me interessa narrar, caro leitor, leitora, é que enquanto eu estava lá, estatelado, todo danado depois da queda (e levando em conta que já havia um ferimento aberto antes dessa queda para dentro do estômago do sonho), eu fui sendo ferido com outras coisas ainda. Portanto, é preciso dizer que havia mais alguém comigo dentro do estômago do sonho. Era uma mulher, com um sotaque estranho; falava a mesma língua que eu e ao mesmo tempo não falava. Havia uma distorção em sua voz, que parecia algo forjado. Não só a voz, as coisas que ela dizia também pareciam forjadas. Para falar a verdade, eu não conseguia ouvir muito bem o que ela dizia; mas, caro leitor, leitora, no sonho não precisamos de verossimilhança; por isso, mesmo não ouvindo bem ou não entendendo bem o que ela pronunciava eu entendia o que ela queria dizer. E como vou lhes explicar isso? Eu entendia tudo, mas não consigo ser objetivo ao tentar reproduzir o que ela dizia porque simplesmente tudo o que essa pessoa dizia era contraditório, confuso, afirmações e negações ao mesmo tempo – aquela mulher era uma espécie de oxímoro em forma de gente. A oxímoro (vou chamá-la assim) segurava uma mangueira de corpo de bombeiros e numa determinada altura da conversa (conversa que eu entendia mas que não consigo lhes explicar, reitero) ela a apontou em minha direção, e nessa hora (que momento luminoso é esse quando a gente consegue entender claramente o que o outro diz e com isso pode elaborar uma narrativa com pouquíssimos entraves!), e nessa hora eu consegui pescar o que ela disse (pausa nos oximoros), foi algo como “Lá fora, na vida consciente, eu derreti sua confiança, minei sua capacidade, destruí seu desejo pela vida; agora, aqui dentro, desse mundinho do sonho, vou acabar o serviço, espero que goste da dose cavalar de suco gástrico que eu preparei para você”. E nem houve tempo para qualquer reação minha. Comecei a receber o jato de suco gástrico por todo o corpo. A oxímoro estava mesmo determinada a concluir o serviço começado fora do sonho. E eu já podia sentir minha pele descolando da carne, a carne descolando dos ossos, as pontas dos dedos desaparecendo, meu sexo ardendo em ácido, meu couro cabeludo escorrendo pela face e pelo pescoço junto aos meus cabelos. Por sorte, quando a oxímoro fechou a mangueira, meus olhos estavam preservados; na verdade, um deles: o direito, se é que o lado importa. No começo, com esse olho direito (ou esquerdo, o lado talvez importe), eu enxerguei tudo meio desfocado (para piorar, eu havia perdido os meus óculos), mas aos poucos a imagem da oxímoro foi se tornando mais nítida. Agora, ela tinha uma arma apontada em minha direção. Antes de começar o fuzilamento, ela disse algo (e que momento luminoso é esse quando a gente consegue entender claramente o que o outro diz e com isso pode elaborar uma narrativa com pouquíssimos entraves!), algo como “Vamos tomar um pouquinho do seu ansiolítico, tem também seu antidepressivo e mais um que não podia faltar, mas vai faltar: aquele: pra dor crônica. O ombro direito, o pescoço – o lado direito todo dói, certo? Não precisa responder”. Enquanto ela, sádica, me dizia isso, começou a disparar contra mim. Mas não eram projéteis de arma de fogo, eram comprimidos. Só que bem grandinhos e pontiagudos. Eu estava sendo metralhado por ansiolíticos e antidepressivos. Comecei, então, a implorar (e não houve como não fazê-lo), a implorar para que a oxímoro disparasse em mim o remédio contra dor. Nisso, sua voz ficou ainda mais distorcida e agora ela ria alto. Depois, recarregou a arma e disse algo como “Quer essa porcaria pra dor? Então, pega lá na parede”. E começou a disparar os enormes comprimidos contra a parede do estômago. Os vários furos que iam se formando soltavam jatos de sangue. Fiquei todo ensanguentado. Não sei como ainda consegui me levantar. Levantei, mas escorreguei. O piso se tornou muito mais liso naquele lugar. Escorreguei e então fui deslizando. Deslizando. Até entrar por um tubo meio apertado. Certamente, o intestino delgado. Logo depois, o tubo se alargou e o passeio até que foi ficando agradável. Eu sabia que ao final havia uma saída. Mas que nada! Comecei a dar voltas, o tubo de repente ganhou a forma de uma escada helicoidal, mas sem os degraus. E eu fui deslizando e o tubo parecia infinito, parecia não ter mais fim ou uma saída. E não sei como (e não me cobrem verossimilhança) eu ainda podia ouvir a voz da oxímoro gritando algo como “Você nunca vai sair de dentro de você mesmo, não tem como, este intestino é seu, este corpo em que você está preso é o seu. E eu vou ficar aqui acompanhando a sua desgraça, a sua queda infinita até quando eu bem quiser, pois eu posso sair do seu corpo; mas você, nunca”. E foi nesse momento que as paredes do intestino começaram a mudar. Já não eram mais lisas, pareciam agora um muro desses com chapisco de brita, e eu batia contra o muro e ia descendo pelo tubo helicoidal me esfolando mais ainda nas suas paredes de pedrinhas pontiagudas. Não havia como não gritar. E eu não queria gritar, pois a oxímoro ia rir ainda mais da minha desgraça. Mas gritei. Gritei muito. E a oximoro, inferno!, começou a rir. Muito. E muito alto. Tentei me pôr em pé. Até o momento eu descia sentado. Tentei. Mas não consegui me sustentar e caí outra vez. E segui descendo e batendo contra o muro. Já não havia mais onde sentir dor, onde me ferir. Eu era um ferida. Uma ferida só. Lá pela nonagésima vez que tentei me levantar e caí, acordei aqui, bem aqui nesta minha cama. De onde não consigo levantar. De onde não conseguirei sair mais. Acho que a minha cama é o meu próprio corpo do qual não consigo e não posso sair, jamais. Mas aqui fora do sonho, fora do estômago e do intestino do sonho, existe (além de estar todo lanhado) uma realidade talvez ainda pior, que é receber uma mensagem no celular dizendo “Oi, sou eu! Comprei seus comprimidinhos e junto estou levando um suquinho especial pra você! Não saía dessa cama! É uma ordem! Bjs”.

sexta-feira, 4 de março de 2022

O público-alvo de Deus

(ou Meritocracia-Monárquica-do-Reino-do-Céu&Jesus-à-direita-do-Deus Pai-Todo-Poderoso)
Sabe, eu odeio a corrupção. E você também deveria odiar. Eu também odeio tudo que tem a ver com as pessoas que se aproveitam do sistema para ficar na folga, pra não trabalhar. Corromper. Odeio também a glorificação do fracasso. Você também deveria odiar. Você, assim como eu, e como várias outras pessoas que se fizeram por si mesmas na vida, você, eu, nós devemos odiar tudo o que é contra o sucesso. E pelo motivo de sermos a gente pessoas que têm o Jesus no coração, nós devemos ainda odiar toda essa gente que não tem o Jesus no coração. Eles são os perdedores. E, pior, eles, lá no Juízo Final, vão querer tomar o nosso lugar no Reino do Céu, um reino que foi construído pela boa vontade nossa, que somos as pessoas boas e que trabalham, que dão duro aqui na Terra pra melhorar a vida na própria Terra e também no Reino do Céu, que é um lance tipo Monarquia da vida após a morte, e lá, lá, sim, lá tem a Meritocracia. Que é um lance que o nosso Deus preza muito. Um lance que contou com o empenho do Cristo aqui na face da Terra pra mostrar pra nós que ele venceu as dificuldades pra no fim morrer na cruz e virar a pessoa de maior sucesso na face desta mesma Terra, um sucesso que só foi superado pelo Beatles, que são um grupo do Reino dos Estados Unidos das Américas, que viveu numa Monarquia, um grupo de homens que entenderam bem o lance da meritocracia na perspectiva monárquica. O Jesus era o filho de Deus, imagem e semelhança de Deus. O Beatles ficou barbudo, lá numa fase da carreira deles, pra ficar muito parecido com o Cristo e confundir as pessoas pra ser tornarem, ele, o Beatles, mais famosos do que o Cristo. E isso foi numa fase que o Beatles usavam muitas drogas. E nós, que somos pessoas de bem e bem limpinhos, nós devemos fazer uma campanha contra o Beatles e contra os drogados, que no final das contas são pessoas contraprodu... sei lá: que não gostam de produzir. Deus não inventou as drogas. Deus inventou o homem. E não foi ele, o Deus, que fez o homem — que somos nós e nossas mulheres, e também nosso casal de filhos e nossos sogros Empreendedores Pelo Bem da Sociedade, que somos nós que representamos a família, a união estável, a economia de mercado e a fartura nos lugares da Terra que têm nosso Deus da bondade a nos guiar —, não foi esse Deus que fez o homem, nós, com a imagem e a semelhança dele? Então tudo que não for desse aspecto de imagem e semelhança de Deus (não só na feição mas também nessa coisa de não consumir drogas ou louvar o Beatles) precisa receber nossa indignação, nós não podemos aceitar. O mundo está um lugar insuportável! Deus não pregou igualdade entre as pessoas. Deus sabe que ele deu a mesma capacidade pra todos os seus filhos, mas nem todos querem usar essa mesma capacidade, muitos, milhares preferem se encostarem na capacidade do outro, quero dizer, na nossa capacidade. Não dá pra aceitar isso. Deus também fez os pobres e os ricos. Foi o Deus que escolheu desse modo. Foi o Deus que colocou na genética das pessoas o DNA do mérito, alguns usam e outros desprezam. Deus não faz diferença, no fundo ele não faz, entre os filhos dele. São os próprios filhos que escolhem o caminho do sucesso, da vitória, ou o caminho da derrota. O lance de ficar na esquerda é um lance assim, tipo derrota. E tem lá, escrito em algum lugar da Bíblia, que o Cristo subiu pro Reino Monárquico do Céu pra sentar à direita do Pai. Aqui na Terra, o Cristo até foi meio rebelde, com barba, meio comunista, mas era um lance de márquetin, era pra ser aquele tipo de rebelde que depois vira muito sucesso. Funcionou depois com o Beatles. Mas depois, o Cristo, quando foi pro céu, ele foi pra direita do Pai. Nós, pessoas que odiamos o contrário da Meritocracia, nós devemos odiar os comunistas, os socialistas, esse pessoal da esquerda, que quer se sentar à esquerda do Pai (mas no fundo nem acreditam no Pai, e sei que também rola por aí um lance de que são todos parecidos a um tal de Édipo, eles matam o pai pra casar com a mãe, que é a grande pátria comunista idealizada por uma tal de senhora Marques ou Marx, ou Marquesa de Marx, não sei bem, e depois são eles que reclamam do lance de pedofilia que rola na nossa igreja, mas entre pedofilia e matar o pai pra casar com a mãe... bem). Tem lá escrito também em algum lugar que o movimento pra esquerda é o movimento do diabo. Veja bem agora se não temos motivos pra, em nome de Deus, do Jesus à direita, da Monarquia Meritocrática do Reino do Céu, se não temos motivos pra odiar essa gente que gosta de bandeira vermelha, que fala em igualdade sem mérito, essa gente que não gosta da gente, que nesse caso somos o Nós, porque dentro da escala da Meritocracia Nós foi o escolhido pra sentarmos à direita do Pai com Jesus do lado nosso, na direita, e com ele, o Jesus, em nosso coração, e veja se o Nós não temos o direito de odiar essa gente que fala em um mundo melhor dividindo o que o Nós, da direita Meritocrática Monarquista do Reino do Céu & Jesus à Direita de Deus Pai Todo Poderoso, o que o Nós construiu para um mundo melhor, com nossos amigos da Maçonaria, do Lions, do Rotary, Opus Dei, da TFP, da União Democrática Ruralista, da Catedral da Fé, do Congresso dos Vencedores, do Clube Militar, com nossos bróders kardecistas, todos esses que formam um Nós mais forte em Deus. E se eles, os vagabundos da esquerda e os vagabundos que recebem dinheiro de grátis do governo (que é o dinheiro do meu, do seu, do nosso, da nossa família meritocrática, do imposto que pagamos com o suor de nossa alma elevada em Cristo e em Deus Contra o Uso de Drogas e Contra o Beatles), se eles podem ficar no ócio, nós podemos ficar, sim, no ódio. É só uma questão de colocar um “d” no lugar do “c”. O ócio deles merece nosso ódio. Dentro das Leis do Talião que estão na Bíblia é alho por alho e dente por dente (de alho). Tá lá escrito em algum lugar chamado Código de Hamurabi, um livro aonde foi escrito a quatro mãos por Hamurabi e por Cristo, este último já numa fase pós-Beatles, sem barba, sem afetação comunista, já pensando em sentar à direta do Pai, ao nosso lado, ficar dentro do nosso coração-meritocrático-monárquico-do-Reino-do-Céu-&-do-Cristo-à-direta-do-Pai. E o Hamurabi é um dos melhores escritores da Bíblia, que é um livro Meritocrático, e ele, o Hamurabi, disse no livro X de Platão, que é o livro da República, que está em algum lugar da Bíblia, uma coisa muito importante pra nós que odiamos com amor no coração, que é o lance de expulsar os poetas — diga-se: artistas drogados — da nossa sociedade, e foi o Hamurabi também que escreveu aquela outra passagem santa no livro bíblico chamada Quem Mexeu No Meu Mérito, que está dentro do livro sagrado, também dentro da Bíblia, que se chama Minha Luta, que é um volume extenso que se insere dentro do santo livro O Mínimo que Você Precisa Saber Para Não Ser Um Idiota. Ah, importante, muito importante: naquela outra passagem (aquela mesma!) o Hamurabi também disse que o Nós, que em resumo somos a gente, os produtivos contra esse sistema de vagabundagem odienta, a gente é os que temos o direito de ter escravos, sim, isso é sagrado, e é por isso que nós odiamos a alforria das empregadas domésticas, isso não está no valor de Deus, não está de acordo com o público-alvo de Deus, o público-alvo, que somos nós, os alvos, que significa brancos, casados, com filhos e empregados e empresas produtivas do setor produtivo da cadeia que controla a produção. E dentro da perspectiva da pesquisa de mercado atual, nós somos as pessoas naquele gráfico de pizza que somos os pesquisados menos beneficiados. Os vagabundos e os corruptos do Sistema contra a igreja da meritocracia do cristo subido aos céus na direita do pai, os vagabundos e os corruptos da esquerda vermelha agressiva bandida e maldita são os mais beneficiados segundo as pesquisas de mercado, eles são a maior parte da pizza, e é por isso que tudo neste país termina em pizza. Termina porque os contraproduti..., sei lá, os que não produzem, ou seja: os vagabundos beneficiados pelo estado comunista são os mesmos que são os beneficiados pelo gráfico de pizza. Eles levam muita vantagem de mercado. E eles também são os beneficiados naqueles gráficos que lembram um monte de prédio, um mais alto outro mais baixo, eles também, os contraprodu..., os vagabundos, eles são também a maioria beneficiada nesses predinhos da pesquisa porque os políticos corruptos da esquerda comunista, que vai dar um golpe neste país, a esquerda dá apartamento de graça pra essa gente morar, e paga tudo essa apartamentada com o meu, o seu, o nosso dinheiro, o dinheiro do Nós, que é as pessoas do sistema produtivo e que também lutam por mudança, que é o lance de mudar tudo o que está acontecendo aí de errado. Sim, tem muita coisa errada. O capitão tá arrumando. Mas um estrago comunista de quarenta e cinco anos não se conserta da noite pro dia. E é tanta coisa que não cabe dizer isso aqui no nosso espaço vital da meritocracia monárquica do reino do céu do cristo à direita, e é tanta, mas tanta coisa, que se sobrar mesmo lugar no nosso coração esse lugar é pro ódio. Ainda que resista em nossos corações o amor e resista também, e ainda, nossas mãos levantadas aos céus, pra Deus, porque esse Deus do público-alvo (alvo que significa branco) e das pesquisas de mercado ainda, ainda aponta seu olhar de graça em nossa direção e faz com que a gente saiba que somos especiais aqui nesta vida, especiais porque somos os que queremos o desenvolvimento para todo mundo, todo mundo, e mesmo tendo em conta os corruptos drogados que gostam do Beatles, mesmo assim nós sabemos que o nosso lugar no Reino-do-Céu-Mérito-Monárquico-do-Cristo-Sentando-à-Direta-do-Pai, o nosso lugar está lá. Ninguém toma da gente. E é lá no céu monárquico da meritocracia que nós vamos nos vingar, que vamos poder ver que ali Deus nos permitirá pensar na morte desses cidadões comunistas aqui da Terra e deste país anárquico-vermelho-que-é-a-cor-do-inferno, na morte de todos eles com o aval de Deus, aval que se parece com alvo, que defende o público-alvo e branco e defende o Nós, que somos os humilhados nos gráficos tanto de pizza quanto de predinhos. Lá em cima não terá pizza nem predinho dado de graça pelo governo comunista, e aí eu quero ver aonde é que esse pessoal drogado do Beatles, da esquerda, da corrupção, dos pecados, aonde é que essa gente vai se esconder da ira do Deus-Monarca. Eu quero ver. Porque lá, no Reino-do-Céu-do-Cristo-à-Direita-do-Pai, lá não vai ter apartamento de graça pra se esconder e se proteger da fúria de Deus, nem tudo vai terminar em pizza de um gráfico de pizza como acaba aqui, neste mundo em que o Cristo foi um comunista, mas que no final precisou aceitar que ensinar a pescar é muito melhor do que dar o peixe para não gerar vagabundo comunista, nesta Terra daonde o Cristo precisou partir e subir ao Céu pra ver que o lugar dele é junto co’a gente, lá, sentadinho à direita do Pai, de quem somos a imagem & semelhança comprovadas pelas pesquisas de público-branco, digo: alvo. Se Deus guardou um lugar pro filho dele na direita dele, o Deus, então por que motivo Nós não deve crermos com toda a nossa fé que mesmo com ódio nosso coração está cheio de amor e que o nosso lugar no Reino Monárquico do Céu está garantido, e que isso se comprova em Deus e também nas palavras do Santo Hamurabi, no livro X da República do Platão dentro da Bíblia que possui um livro extenso dentro dela chamado Minha Luta que é parte de outro livro sagrado chamado O Mínimo que Você Precisa Saber Para Não Ser Um Idiota? E, irmãos meus na meritocracia, eu tenho fé. Nós tem que ter fé. Juntos o Nós podem salvar a humanidade desses vagabundos tudo aí.

domingo, 27 de fevereiro de 2022

Viva a Ungria!

(Em tempos de violência é bom avisar: este texto contém alta dose de ironia).
Eu gosto da OTAN. A OTAN é legal. Eu também gosto d’O Estados Unidos das Américas porque eles além de serem legal só atacam lugares cujos quais as pessoas geralmente nem conhecem e por isso a gente nem liga. Você sabe onde fica a Somália, o Camboja, o Iraque, o Vietnão, o Afeganistão? Eu, não. Joguei o mapa múndi fora quando a professora mentirosa da escola de esquerdopatas que eu estudava afirmou que a Rússia era o mais grande dos países do mundo que está no mapa múndi. Eu disse pra ela que nunca, que nunca que a Rússia era nem podia ser o mais grande país do mapa múndi que é o mapa que deveria conter e contar e mostrar a verdade, dizendo e mostrando que O Estados Unidos das Américas é que é, sim, o mais grande país do mapa múndi e, assim sendo, do mundo todo. Eu falei pra ela que ela esqueceu de contar o Alasca, o Canadá e uns países mequetrefes lá da Europa e por isso é que nas contas dela a Rússia ficou sendo o mais grande dos países maiores do mapa múndi. Bem, eu disse que gosto da OTAN. Mas eu disse, confesso, porque muita gente diz que gosta também. Acho que OTAN é nome de um filme de Roliúdi. Ou nome de um estúdio que faz filmes em Roliúdi. OTAN! Sei que soa bonito. Eu também gosto de Roliúdi porque Roliúdi é o nome da marca de um cigarro que um vizinho comunista meu fumava e por isso ele morreu. Roliúdi matou ele. Roliúdi também é um país que fica dentro d’O Estados Unidos das Américas que tem dentro dele a OTAN. Ou o OTAN? A OTAN. O OTAN. Tanto faz. Eu gosto da/do OTAN assim mesmo. Eles da/do OTAN fazem bons filmes dentro de Roliúdi que também são os cigarros que mataram meu vizinho comunista. Ou é nome de filme? Sei lá. Soa bonito. OTAN! Parece barulho de bomba caindo e explodindo. OTAAAN! BUMMM! Sabe, eu até aceitaria que a Rússia era o mais grande dos países do mundo do mapa múndi se eles da Rússia não fossem mais da União Soviética. A União Soviética é que é o poblema. Se não fosse a União Soviética a Rússia até podia ser o mais grande país do mapa múndi que dizem que é o desenho do mundo. Eu aceitava. Mas eu não gosto do comunismo da Rússia da União Soviética. A Rússia sozinha até que seria legal porque tem lá um cara que é ex-comunista, o Pútchin. E se é ex-comunista já ganhou pontos comigo. Não todos os pontos, assim, de graça, que comunista não gosta muito de trabalhar. Mas pra esse ex-esquerdopata que é o Pútchin até que eu dava mesmo uns pontos porque de repente vai que ele ficou afim, ou seria a fim?, afins?, sei lá, vai que ele pegou gosto pela Meritocracia. Eu até acho que pegou mesmo porque ele entendeu que são os homens brancos é que são os melhores pra trabalhar. Os homens brancos que são os éteros, eretos?, ou etéreos?, sei lá, que não, em fim, ou enfim?, que não são no caso os gays nem as mulheres e nem os comunistas que são todos gays e mulheres. Tanto que ele é amigo da Bielo-Rússia, que não é o mais grande país do mapa múndi mas quer dizer Rússia Branca. Dos homens brancos. Deveria se chamar Bielo-Rússio. Sem dar chances a essas parada de bandeira de arco-íris e movimento pela emanci..., ah, esses papo de liberdade das mulheres, que são todas umas comunistas e esquerdopatas. O Pútchin é ex-gay. Ex-comunista. Ex-respeitador de mulheres. O Pútchin nesse ponto de vista se parece com o Mito. Mas o Mito não é ex-nada. Ele nunca gostou de gays, de comunistas, de mulheres e também não gosta de artistas. A lei Ruanétchi era uma lei só pra comunistas. E o Mito vomitou nela. E também o Pútchin, voltando agora a falar do Pushkin, ele se parece com o líder da Ucrânia, o Gelenski. Ó, no fim das contas, eu acho mesmo que gosto d’O Estados Unidos, da OTAN, de Roliúdi, gosto um pouco do Pútchin, do Gelenski. Mas a Ucrânia, que é o país do Gelenski, também era comunista. Agora, melhorou: virou nazifascista. E quer fazer um filme nos estúdios da OTAN lá em Roliúdi, que é também um país membro da/do OTAN que fica dentro d’O Estados Unidos das Américas. O Gelenski está dando armas pro povo dele combater o ex-comunista Pútchin. Combater a União das Repúblicas Russo-Soviéticas. Ele tem razão. O Mito também ia dar armas pra nós combater o Hugo Maduro e o Fidel Morales se a Nicarágua e a Costa Rica, que ficam dentro de Cuba e fazem fronteira com o Brazil, também queriam invadir a gente aqui do Brazil, que é um país cristão, de gente que luta pela Meritocracia e pela escravidão. Os ucranianos eu acho que vão morrer de monte, mas eu também ia defender o Mito se o Mito queria que eu fosse livrar o Brazil dessa gente comunista ou ex-comunista, tanto faz. Mas acho que até não ia querer matar o Pútchin porque outro dia o Mito foi lá apertar a mão dele e eles assim sendo interromperam a terceira guerra mundial. Mas agora está começando a quarta e não sei se o Mito vai conseguir interromper a guerra. Acho que se ele fosse apertar a mão do Gelenski, até que podia ser. Até podia impedir a quarta guerra mundial. Sei lá. Eu gosto do Mito, do Pútchin, do Gelenski, de Roliúdi, da/do OTAN. Gosto muito mesmo d’O Estados Unidos das Américas. E gosto muito também do Dioi Baiden. Ele está velhinho. É ex-comunista também. A gente até perdoa. Hoje ele é pela Meritocracia. Ele não gosta do Pútchin, porque acha que o Pushkin não foi totalmente regenerado de ser ex-um monte de coisas. Olha, eu queria falar da China. Mas acontece que eu não gosto da China porque a professora esquerdopata disse que a China é a maior pátria comunista do mapa múndi e o terceiro país mais grande em área do mapa múndi. Mas o mapa múndi é fêiqu nius. A gente sabe. Tudo fêiqui nius. A China fica dentro de Taiwan, que é uma merdinha de uma ilha. Nem é grande, quanto mais pra ser tão mais grande assim no mapa múndi. Porra, professora esquerdopata, vai mentir lá na União das Rússias Soviéticas Republicanas, que é um paisinho de merda que, na verdade, fica dentro de Cuba do Fidel Morales. Esquerdopata dos piores. Na verdade, acho que vai é morrer muita gente. Eu só acho. Não dá pra ter certeza. Faz três dias que eu tô escondido no bânquer do prédio que eu moro aqui em Kiévi. Vim jogar futebol profissa aqui e vou acabar tendo que ir pra guerra. Nós do Brazil nem sabe o que é guerra. Nós do Brazil não gosta do mapa múndi. Nem faz questão do mapa múndi. E, olha, bem que me falaram, vai jogar no Iêmen. Mas eu nem sabia onde ficava o Iêmen. Também não sabia onde ficava a Ucrânia. Falaram que a Ucrânia é do tamanho de Minas Gerais. Eu também não sei se Minas Gerais fica perto do Paraná ou não. Quando me disseram pra escolher jogar em Uberlândia, que fica em Minas Totais, ou na Ucrânia eu nem pensei muito, os dois lugar começavam com “U” e terminava com “ia”. Falei com o meu pai e ele achou melhor Ucrânia. Disse: fica mais perto do Paraná. Aí eu vim. Acabei descobrindo que o Paraná ficava na Europa, longe de Minas Gerais, ou era Minas Totais?, e bem perto da União Soviética da Rússia que tá brigando feio com o Gelenski. Se tivesse trem de alta velocidade na Europa como tem no Brazil que o Mito construiu, eu juro, juro que pegava ele agora mesmo e fugia pro Paraná. Ou pra Ungria, que também começa com “U” e termina com “ia” . Eu ia. Pra Ungria. Lá eu sei que tem o Orbán que é amigo fiel do Mito. Lá tem o Puscas, ou Puskás, ou Puskas, que é um jogador que foi o melhor jogador do mundo antes do Pelé. Mas o Pelé não conta porque o Pelé, o Pelé é... Vocês sabem da Meritocracia que pertence ao homem branco etereosexual, né? Hoje o Puscas, ou Puskas, virou um prêmio pra quem faz o gol mundial mais bonito do ano. Eu gosto do Puscas, viu. Tô pensando mesmo em ir jogar na Ungria. Mostrar pro Mito que o futebol do Brazil faz o melhor futebol da Ungria que tem o melhor, Puscas, jogador de todos os tempos. E é o país do Orbán. Eu gosto do Orbán. O Orbán é legal. Viva a Ungria!

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Poema em prosa de Aglaja Veteranyi


Em 2005, fazia pouco eu havia lido "Por que a criança cozinha na polenta", da romena Aglaja Veteranyi, e nesse ano a revista Coyote, de Londrina, publicou alguns poemas em prosa ou mini-histórias da autora. Foi uma grande honra estar nessa edição ao lado de Aglaja. Deixo aqui um texto traduzido por Fabiana Macchi.

O LIVRO
"Ontem Ângela sonhou com seus pais. Não tenham medo, disse ela, antes de ir, vou cozinhar uma cova para vocês. Ontem os pais de Ângela morreram. Ontem Ângela ganhou um filho, e o filho completou ontem 59 anos. Ontem Ângela disse: a pele não sabe quando deve parar de morrer. Ontem saiu no jornal: Ontem Ângela morreu.

Ontem a filha disse: eu quero um livro cheio de neve.”